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Baú de ideias malucas de Rubens Torres
A verdade mais verdadeira que há é que somos todos marionetes da célula mestra, da célula mãe, da célula Eva, aquela que foi o primeiro suspiro de Deus na Terra e surgiu no meio de um oceano vazio de vida. Ela veio sem cérebro, sem ego, sem nada complexo, mas veio com algo mais forte que a força que a fez surgir naquele mar de matéria e substância. Ela veio com uma consciência, uma conscienciazinha bem primitiva e que em nada lembra o que entendemos por consciência hoje. Ela veio com um negócio intraduzível pelas palavras tradicionais do arcabouço científico, ela veio com a capacidade de perceber que era feita de matéria e que de alguma forma ela tinha um algo a mais que toda a matéria em sua volta.
E ela viu, que essa matéria em sua volta, estava em constante mutação. Não havia indivíduo, havia uma massa vibrante de energia, sem antes, nem durante e nem depois.
A pobre célula primordial se assustou. Ela se reconheceu diferente de todo o resto e queria "ser" para sempre, não se diluir naquela loucura toda da matéria. Ela era o supra sumo do universo, como poderia retornar à condição de substância??
Não, algo precisava ser feito! Sua inquietação foi tão grande, mas tão grande, que fez criar um choque de criatividade, que ricocheteou em sua membrana plasmática e fez nascer uma ideia: iria ser imortal. Era seu plano, pra nunca mais retornar ao pó de onde havia estado antes e para ser a rainha da matéria, a líder dos átomos, a governanta do universo.
Mas ela percebeu também que sua carcacinha estava em deterioração, logo logo era o retorno à matéria. Muito em breve ela iria conhecer o processo que hoje conhecemos como morte. Ela ficou aflita, inquieta, um verdadeiro caldeirão de sensações passou a colidir em seu interior, de um modo extremamente insano, até que ela não conseguiu aguentar e explodiu!!
Explodiu, mas não era o seu fim! Ela observou que continuava igual, mas aí viu algo que a assombrou: ela se viu, bem ali na sua frente. Havia outro eu dela. Não estava só. E viu que todo o processo que ela passou, esse seu novo eu também passava. O outro eu também explodiu e, da explosão, outros "eus" foram surgindo. Logo, o mar estava cheio de cópias dela, algumas novas, algumas mais velhas, todas passando por tudo o que ela passou.
Ela então sentiu que seu fim se aproximava, porém entendeu que ela fez uma coisa estupenda. Ela se recriou. Aqueles outros seres à sua frente eram ela também. Conseguiu sua meta, se eternizou. Pelo menos, enquanto o mar de matéria permitisse e não se voltasse contra eles. Ela viu que que não tinha domínio algum de suas cópias, eram todas independentes, mas todas elas estavam fadadas a passar pelo mesmo processo.
Ela sorriu. Estava pronta para retornar ao pó. Sabia que continuaria existindo mesmo não estando ali, e tinha extrema confiança que suas cópias iam ter inteligência suficiente para refinar o processo e o melhorar. E ela disse adeus à sua carcacinha, que retornou à vibração primordial. E suas cópias deram sequencia ao seu legado, até chegar na gente, humanos, que achamos que somos os mestres do universo mas na verdade somos apenas um grande caminhão que transporta o legado e a imortalidade da nossa célula mãe. Ela, sim, a única sábia.
Clara, encostada na parede de sua casa, ao lado de um pé de alecrim, olha o céu e pensa. Seus pensamentos são um emaranhado de ideias, sonhos, projetos, medos e insegurança. Ela ama, ama muita coisa e esse excesso de sentimento a faz perder um pouco o rumo de sua vida.
Ela tem uma paixão mas não consegue contato. Tenta falar com as estrelas para ver se elas ajudam a enviar uma mensagem. Para a Lua ela não pede hoje porque a Lua não a veio visitar. E se veio, preferiu se esconder entre as núvens, já cansada de tanto leva e traz. Para o Sol Clara não pede nada, apesar da Lua reclamar que ele é seu padrinho. "Mas você é minha amiga, não é?" - chora Clara. "Sim, sou, mas para ele é muito mais fácil". "Não gosto de parecer que só falo com ele quando preciso de ajuda...".
Enfim, sem Lua e sem Sol, Clara tenta com as estrelas. Mas desiste. Suspira e lembra das cartinhas que escreveu e as que recebeu. Uma delas ela guarda escondida ao lado de sua cama, só para cheirar antes de dormir e fazer seu amado presente ali ao seu lado.
Mas Clara também quer trabalhar e já está cansada de não conseguir nada melhor do que vender. Ela vende porque precisa, mas ela prefere muito mais assar bolos e tortas. Também gosta de pintar e artesanato. Mas todos dizem para ela que isso não é futuro.
Mas Clara nem se preocupa muito com o futuro, ela acha que tentando fazer o melhor de seu presente, o futuro está garantido. Ela quer que a felicidade nasça naturalmente em sua vida. Ela acha que está conseguindo, mesmo não sabendo se seus bolos são bons, se seus quadros agradam e se seu amado entende suas loucuras.
O que Clara quer agora é incomodar as formiguinhas que tentam entrar em seu formigueiro. Ela pressiona a entrada com o dedo levemente para tapar a entrada e espera para ver as formigas o reabrir. E repete isso várias vezes.
Ela ama e a única saída para essa noite é abraçar o alecrim e o beijar ternamente. Ela o acaricia e acredita que os galhos que passam em sua face e cutucam seu olho é a planta que retribui o carinho. Ela acredita que tudo que é feito com carinho e amor recebe carinho e amor por retribuição. Talvez não na hora, mas um dia desses qualquer.
Bia sempre foi boazinha. Era o que todos diziam dela. E ela era mesmo boazinha. Mas esse era seu problema.
Era fácil confiar nela, ela era confiável. Era fácil se afeiçoar a ela, ela era carinhosa. Era fácil ter ela em uma mesa de bar, ela era sociável. Enfim, era uma boa pessoa. Mas... tadinha...
O problema era o tal de "tadinha" - Ela é boazinha, né? Mas... tadinha... - era o que praticamente todos diziam dela. Não era culpa dela e nem dos amigos, havia uma tristeza no ar que não permitia que Bia se soltasse completamente. Dentro dela, em um cantinho bem escondidinho de seu cérebro, havia uma Bia completamente diferente. Na verdade igual, mas diferente. Tinha todas as suas qualidades, porém não havia tristeza em seu olhar e era livre como uma ave.
Bia queria libertar essa outra Bia. Ela a conhecia e era muito feliz com ela no passado. Mas há muito elas foram separadas. A Bia liberta foi presa e a Bia presa ficou solta. Ela lutou durante muito tempo pela liberdade de seu outro eu, mas sempre foi em vão. A principal barreira é que ela não se suportava, se culpava e se feria. Foram muitas noites de choro no chão do quarto, no chão da cozinha, no chão do banheiro... e em todos os chãos em que lhe foi possível cair e chorar.
Ela queria sorrir e até conseguia. Mas o dia seguinte era triste porque ela não conseguia evitar a culpa que surgia. Ela não entendia que culpa era essa mas se rendia a ela por não ter forças para lutar. Sua carne perdia a alma aos poucos e ela não conseguia impedir isso.
Queria amar, mas não conseguia. Esperava demais dos outros. Esperava. Esperava. Esperava. E nada. Aí ela sofria. Se culpava. Se feria. Nenhum telefonema. Nenhum recado. Nenhum grito. Nenhum oi. Ela desabava. Seu coração erodia aos poucos.
Mas sempre acreditou que isso passaria. Queria acreditar que a mudança era possível. Só não sabia como fazer. Aí pensou uma coisa, tentou e deu errado. Pensou outra coisa, tentou e deu errado de novo. E de novo... E de novo... Aí voltou a espera, voltou a dor, voltaram as lágrimas.
Até que um dia ela se proibiu de chorar, reclamar e de esperar. Ou melhor, ela continuaria a esperar, mas não planejaria mais nada, viveria, aos trancos e barrancos, mas viveria. Batendo a cara mesmo e deixando as coisas acontecerem. Encheu o peito e gritou: "Que se foda!!!". Ela estava disposta a aprender a viver, não sabia como, mas algo em si dizia que finalmente ela havia encontrado um caminho mais correto.
A solidão continuou. O "coitadinha" também. Mas ela dizia: "Um dia muda..." E foi trabalhar, foi conversar, foi estudar, foi na padaria, foi no buteco, foi aonde podia. E esqueceu que estava sozinha, esqueceu que chorava e esqueceu que não se amava e não se perdoava.
Um dia, na volta de um desses lugares, ela encontrou um diário jogado na rua. Pegou e leu. Não tinha o nome e endereço do dono, apenas um apelido: Angel. Na noite em que encontrou o diário ela não dormiu. Mergulhou no mundo daquele Angel. E viu uma vida, como a dela, cheia de dores e alegrias. Bia chorou e riu e percebeu que sempre fora muito egoísta. Achava que era a única que sofria no mundo e que o mundo não lhe queria. Mas Angel lhe perguntou: "E você, se quer?" - "Como assim?" - ela respondeu.
Respondeu e correu ao banheiro. Se olhou no espelho e se viu, como nunca antes havia se visto. Ela tinha medo de si, mas conseguiu coragem de se encarar frente a frente. E viu a outra Bia. Angel havia lhe libertado. Deu medo, mas ela respirou e estendeu a mão. "Não tenho muito contato com você, mas estou disposta a mudar isso..."
"Tem certeza?"
"Sim."
Bia então acordou. E não estava mais em seu quarto, não era mais aquele dia e não era mais ela. Ou melhor, corrigindo tudo, ela estava no seu quarto, era aquele dia ainda e era ela mesma. De verdade. De forma plena e sincera.
Aí ela se tornou um furacão e saiu por aí derrubando casas, carregando vacas e levantando poeira. Já não era mais "Coitadinha" nem "Boazinha". Era a Bia verdadeira e sincera que sempre deveria ter sido.
Até que chegou o dia de hoje. Ela está nua se olhando em um espelho. E como se sente bela. Suas banhas não lhe incomodam mais, suas estrias se tornaram desenhos de flores belas e cheirosas. Ela se entregou a si e se beijou. Ligou uma música e começou a dançar, começou a sentir o mundo, o ar e a vida. Está plena e livre.
A campainha não toca, o telefone não toca, ninguém a grita... mas é diferente. Porque não importa. Ela não precisa esperar nada, a única coisa que precisa já havia conquistado e está em êxtase experimentando um prazer que nunca antes havia sentido.
E caiu no chão novamente, no chão da sala, da cozinha, do banheiro... mas não era uma queda, era sua ascenção. E não havia lágrimas. Havia risadas. E ela só tinha uma certeza, essa risada não acabaria no dia seguinte. Não, nunca mais.
Era a Bia, apenas. Não mais "Boazinha" mas "boazuda". Não carece mais de ter vergonha, não carece mais de esperar. Sua hora chegou. E não ficaria mais parada, se entregaria ao movimento, ao doce movimento.
Quem gostar pode entrar em sua órbita e cirandar com ela. Ela está aberta ao universo. E quem não gostar é só desviar. Só não peçam para Bia desviar sua tragetória para você passar.
Ninguém interrompe o movimento de alguém livre.
Crédito das fotos:
Site Olhares
Foto 1 - Almost Blue IX - Ana Tomás
Foto 2 - Toque - Verme
Foto 3 - Espelho meu... espelho meu... - Nobre
Foto 4- Nice & Smooth - Hugo Macedo
Aguardo o fim da chuva.
Seguia tranquilamente meu caminho quando começou a chover e tive que me esconder sob um canto de uma velha casa. O espaço é mínimo, consigo apenas proteger meu rosto e parte do meu ombro. Minha cabeça está encostada numa velha parede descascada e com os tijolos à mostra.
E a chuva só aumenta. Observo-a. Vejo como ela molha os carros, cria rios entre as ruas, molha as árvores do terreno baldio e umedece as paredes das casas e prédios. Entre um prédio e outro vejo ao longe a serra e como a chuva embranquece toda aquela paisagem. E esfria, esfria muito, principalmente por causa do vento.
O vento rasga meus braços que estão cruzados e os molha com as violentas gotas de chuva. Algumas pessoas passam correndo. Algumas passam tentando equilibrar e proteger seus guarda-chuvas da ação da tempestade. E meu corpo está cada vez mais molhado. Minhas calças estão completamente ensopadas, meus pés estão congelados e mergulhados em uma piscina que se formou em meus sapatos.
Deveria reclamar. Meu tempo é curto, eu tinha pressa antes da chuva. Mas a chuva me modificou. Não consigo achar ruim a situação toda. Ao contrário, ali está somente eu e a natureza, eu e o universo. Há muito tempo não ficávamos juntos. O frio, o desconforto e o tempo que passava me fez perceber como era bom não sentir frio, não sentir desconforto e ter tempo, coisa que antes não valorizava.
Alguém grita: "Corre daí!". Uma vizinha grita: "Esconde aqui!". Eu sorrio, apenas. Não quero perder esse momento, principalmente agora que começou a cair granizo. Agora sim, meus braços sentem uma dor maior e um frio mais profundo. Eu preciso respirar fundo. Nesse momento nem meu rosto está livre da ação da chuva. Deveria reclamar, deveria ansiar por uma cama quentinha e um chocolate quente ou um café bem forte. Mas não, isso eu já tenho em casa. Eu sei que minha casa continua no mesmo lugar, juntamente com todas as minhas coisas e pessoas queridas. E sei que a chuva irá passar. Então, prefiro aproveitar o momento, essa sensação rara que, apesar de gerar desconforto ao corpo, reconforta o espírito.
Olho para as plantas do canteiro e imagino a felicidade delas e quanto tempo elas devem ter esperado por esse momento. Para elas não importa que algumas de suas folhas serão arrancadas e quebradas, o que importa é que continuarão vivas. A chuva lhes dá a oportunidade de viver. E eu também quero sentir essa mesma sensação, quero sentir a água da chuva não como uma maldição, mas como uma benção. Quero renovar meu corpo e renovar meus dias. Quero ser e estar com a natureza.
Mas o que mantém o sorriso em meus lábios é alguém que eu conheci sem conhecer. Meu coração arde em chamas e aquece todo meu corpo. A chuva já não provoca mais desconforto, muito pelo contrário. Ela me faz pensar em alguém que, definitivamente, não conheço mas, mesmo assim, conheço. Minhas mãos se lembram das mãos dessa pessoa e de seu calor, mesmo que eu nunca as tenha apertado ou acariciado. Meu nariz sente o cheiro doce de seu cangote e cabelos, só que eu também nunca os cherei ou acariciei. Enfim, a chuva me trouxe lembranças que nunca tive.
Mas a chuva deseja que eu as tenha. Quer que eu as produza. Ela quer me carregar em sua correnteza, junto com as folhas velhas e as sacolas de supermercado. Ela quer que eu derreta todos os granizos com o calor de meu coração. Ela quer mudar de estado, quer evaporar e se tornar plenamente livre pelo ar. A chuva precisa de mim e do calor que há em meu coração. E eu preciso dela e de sua ação tranformadora.
Sim, não há mais tempo a perder com medos e inseguranças. É preciso ser forte e ter coragem. Eu preciso me soltar das nuvens e cair em direção à terra do meu destino. Tenho muitos solos a fecundar, essa é minha missão e deveria ser a missão de todo Homem da Terra.
Porque depois de tudo vem o sol. O calor do sol. A plenitude dos raios solares. Aí sim estarei pronto para também mudar de estado e me tornar vapor. A vida deve ser isso, um ciclo infinito que durará enquanto não findar.
Falando nisso a chuva já passou. A luz do sol atinge em cheio meus olhos, que lacrimejam de felicidade. É hora de voltar ao mundo. É hora de gozar da renovação e da purificação da alma. É hora de seguir a estrada que me leva até aquela pessoa. Aquela pessoa que desejo todo o carinho do mundo e que vive em mim há muito tempo.
É hora de conhecer o desconhecido. De ver com os olhos da carne o que os olhos da alma já viram há muito tempo...
Quando era pequeno, na época em que minha única preocupação na vida era saber a letra da nova música da Xuxa, eu vivia cercado por livros da minha irmã. Olhava aquele monte de livro e ficava admirado com eles. Queria entender o que aqueles risquinhos pretos queriam dizer e por que minha irmã se demorava tanto com eles.
Atormentava minha irmã para que ela me desse algum. De vez em quando ela me dava um ou outro já velho. E eu mergulhava neles no que eu conseguia entender: as imagens. A maioria dos livros que ela me dava eram didáticos e com diversas ilustrações. Então sentava no chão de terra batido do terreiro lá de casa, à sombra da goiabeira, e viajava no mundo daquelas figuras. Algumas recortava e colava em algum outro papel, mas muitas eu não tinha coragem, parecia ser um certo desrespeito com o livro.
De tanto olhar para aqueles livros não é que aprendi a ler? A primeira coisa que li na vida foi o logotipo da geladeira lá de casa: General Eletric. Minha mãe assustou-se quando viu aquela criança que ainda não ia à escola repetindo essa palavra.
"Onde você viu isso?".
"Ali, mamãe..."
"Mas não é possível. Você deve ter visto na TV".
"Não foi não, foi ali".
"Então me mostra".
Ela me pegou no colo, me levou até a geladeira e eu mostrei à ela. Ela chorou e começou a me mostrar pra todo mundo. Chamava os vizinhos todos os dias para que eu lesse a geladeira para eles. Depois, quando começou a exigir mais, pegando outras palavras, eu simplesmente desaprendi a ler. Não conseguia ler mais nada. Nem General Eletric.
Só voltei a ler no pré-primário. Fui o sexto da turma a ler. Foi num fim de mês de maio.
Quando voltei a ler, revi todos aqueles livros da minha irmã. Ela de início achou maravilhoso. Quando li o Pequeno Príncipe ela achou inacreditável. Quando li O alquimista ela achou desaconselhável. Quando peguei Cem anos de solidão, ela tomou o livro de minha mão, achou absurdo. Não era para minha cabecinha de 7 anos. Ela então passou a me emprestar livros infantis. Eu gostava. Ler era o maior barato para mim, bem como desenhar e pintar.
Mas enfim, estou fazendo um rodeio enorme e ainda não entrei no que eu queria contar nessa crônica. Vamos lá.
Desses livros que eu tinha que eram da minha irmã, havia um que era de português da quinta série e continha vários textos para leitura e interpretação, todos ricamente ilustrados. Um desses textos tinha uma ilustração que adorava. Era um menino, com carinha de pobre, olhando, por trás de um grande portão de ferro, um outro menino, com carinha de rico, que brincava sozinho em sua casa. A história falava de como o menino pobre observava o menino rico e queria ser seu amigo, mas não sabia como, até que um dia, não me lembro porque (acho que por causa de uma bola que caiu no quintal do menino rico), eles acabaram se conhecendo e se tornaram bons amigos (depois de algumas divergências, claro).
Essa ilustração me marcou muito. Eu achava fantástico o olhar do menino pobre. Me reconhecia nele. Nessa época eu tentava fazer amizade com alguns meninos mas eles me tratavam mal, por sermos de universos muito diferentes.
Segui minha vida mas a imagem desse menino permaneceu na minha mente. Sempre que alguém se destacava em minha vida e eu tentava me aproximar para me tornar seu amigo, era como se eu fosse aquele menino atrás das grades. Queria me aproximar, mas não sabia como.
Na maioria das vezes não deu muito certo, afinal você não escolhe amigos, amizade nasce de uma forma inesperada, sem data, nem hora. Mas algumas poucas vezes deram certo. E dão certo até hoje. O que é maravilhoso.
Pois bem, novamente aqui estou eu, atrás de uma grade, olhando para um menino e uma menina incrivelmente distantes de mim. Elas seguram um caderno na mão, um escreve, o outra, desenha. Um brinca, o outra, recorta. Um sonha, o outra, molda. Estão próximos, mas não se conhecem. Apenas eu, que observo de longe, reconheço os dois. O que é difícil, está cheio de gente nas casas onde elas vivem. Muita gente, gente demais.
Mesmo assim não as perco de vista. Consigo escutá-las. Elas falam. Falam muito. Quando falam pouco eu dou um suspiro. Quando entendo o que elas dizem, fico feliz, porque elas dizem coisas que respondem minhas dúvidas mais profundas.
Faço então alguns aviõezinhos de papel e taco pra eles. O menino vê, sorri e me devolve grande parte. A menina nem liga.
Um dia, mas não no mesmo dia, eles olharam para mim. Foi logo quando eu cheguei nesse portão. Mas eles baixaram o olho e me evitaram. Minhas roupas estão realmente surradas, mas só fui perceber isso muito tempo depois. Aí já era tarde, não poderia mais tornar a olhá-los novamente olho no olho. Mas acho que foi isto que me motivou a não desistir deles. Deveria esperar para que eles desejassem me ver. Por que? Não sei, meu coração pediu. E meu coração pediu demais, disse-me que o universo precisava que a gente se unisse e brincasse um pouco. Não dá para brincar de stop ou barra manteiga sozinho, não dá...
E esperei. Esperei. Esperei mais um pouco. E os escutei. Escutei. E escutei mais um pouco.
E todo dia passou a ser assim: brincar pela manhã em casa, almoçar, correr para o portão, os observar um pouco, correr pra escola, brincar com meus amiguinhos reais, correr de volta pro portão e, por fim, voltar correndo pra casa.
Com o tempo, o menino passou a ser mais cordial, até se aproximou do portão. Então aproveitei e dei uma oferenda pra ele, ele aceitou e me agradeceu. Fiquei feliz. Mas depois aos poucos ele foi sumindo. Rasguei um papel e escrevi e desenhei algumas coisas e fiz um avião que joguei pra ele. Ele olhou o avião, dobrou e colocou no bolso. Voltou para sua casa.
E não é que um dia eu escutei a menina pedindo uma oferenda? Corri na casa dos meus amiguinhos para ver se eles tinham e encontrei na casa de um, que me deu de bom grado. Imediatamente corri de volta ao portão e gritei pela menina. Ela me ouviu e timidamente respondeu, sem entender muito bem. Eu disse à ela que tinha a oferenda que necessitava e joguei no quintal. Ela foi lá, catou e voltou correndo para dentro de casa. Antes, deu uma olhadinha no portão para ver se me reconhecia. Acho que lembrou de algo, mas não sabia o quê. Mas mesmo assim sumiu dentro de sua casa.
Eu continuei indo ao portão. Mas com menos frequência. Tive uma ideia pra que eles viessem falar comigo. Seria a última ideia a ser colocada em prática. Então corri pra minha casa e me tranquei no quarto. Botei a ideia em prática. Era uma ideia tão boa que usei também com outros amiguinhos meus. Eles gostaram, ou pelo menos eu acho que sim.
Agora estou a pensar: vale a pena? Poderia ocupar minha vida com coisas tão mais úteis do que com duas pessoas que nem sabem ao certo que eu existo. Mas quer saber? Eu acho que vale a pena, tanto pra mim, quanto pra eles. Sou muito novo para entender como as coisas do mundo funcionam, mas sei, bem dentro de mim, que eu preciso deles. E eles de mim. Como sei? Sei lá, como diria Chicó, só sei que é assim.
Também pensei que, caso eles me olhem nos olhos, se eu continuaria atrás do portão ou percorreria toda a distância que nos separa para de alguma forma sentir suas presenças. É, amizade é bom, mas exige muitas responsabilidades. Você realmente se torna eternamente responsável por aquele outro que ao mesmo tempo em que é igual a você é diferente também. E demora. Amizade é como uma planta, até ela deixar de ser semente, virar broto, crescer, virar árvore e dar frutos demooooora... eu tenho uma árvore que já tá com 18 anos, sei como é demorado e exige responsabilidade. Mas não há nada melhor que colher os frutos e saborea-los sob sua sombra.
Olha, vou ser muito sincero, não sei como termina essa crônica. Tenho medo de dar um fim à ela. Ela fala de mim mas tem a responsabilidade muito grande de falar de você, leitor, também. Essas três crianças representam coisas importantes em suas vidas também, eu acho. Eu só não sei qual das três crianças você é, mas, se você parar pra pensar um pouco vai reconhecer. Me apague da crônica e insira você. Transforme o menino e a menina no que você quiser, pode ser um emprego, um carro, uma amizade, um animal, um objetivo, enfim, o seu objeto de valor. Viu como as coisas começam a ficar mais claras? Não ficaram? Duvido que você tenha gasto seu tempo lendo essa crônica enorme se não tiver se identificado com algo. As explicações estão todas com você, não comigo. Eu apenas seleciono palavras e imagens, o sentido apenas a sua cabecinha pode dar.
Está bem, eu sei que você está ansioso pra saber o porquê dessa crônica se chamar Chocolate Surpresa. Como eu já sabia que esta história não teria um final convincente, resolvi finalizar com uma barra de chocolate que eu comia muito quando era pequeno. Eu colecionava todos os álbuns e figurinhas desse chocolate. E sempre que lançavam um albúm novo, eu juntava as embalagens e mandava para ganhar o álbum. E ficava numa ansiedade danada esperando pela chegada dele. Levava 35 dias para chegar. Eu controlava o calendário para saber quantos dias ainda faltavam. E esperava. Esperava. Esperava... Enquanto ele não chegava, eu saboreava o chocolate. Era delicioso e nunca mais fizeram nenhum chocolate tão bom quanto esse.
Entendeu? Não? Bem, não importa, como diria Clarice Lispector, não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.
PS: a autoria desta crônica é do Rubens menino. Eu acreditava que ele já havia crescido, mas descobri recentemente que não. E ele está me fazendo passar muita vergonha. Mas estou gostando. É bom recordar a infância de vez em quando.
Minha nova campanha:
Portabilidade é tudo! Simples assim!
Participe você também dessa ideia!
...
Diz-me com quem andas... Parte 01
Eu gostaria de prestar uma pequena homenagem aos meus grandes amigos. Muitas pessoas passam em nossa vida e se vão, mas umas poucas ficam para sempre, mesmo que a distância geográfica tente nos separar.
Vou falar um pouco de pessoas que me marcaram profundamente. Nós compartilhamos alegrias, tristezas, dúvidas, DVDs, revistas e muito mais... São especiais! Não existem palavras capzes de os descrever, mas a gente tenta.
Beto Souza
O Roberto é meu melhor amigo desde a primeira série. Isso tem 18 anos. Nossa amizade já atingiu a maioridade, apesar de continuar tão infantil como sempre foi. Na verdade nos conhecemos na barriga de nossas mães, elas trabalhavam juntas no mesmo lugar e eram amigas quando estavam grávidas de nós. Eu nasci primeiro, no final do mês de agosto. Ele veio um pouco depois, em janeiro. Nossa amizade foi desenvolvendo como uma árvore. No começo éramos apenas bons colegas, com o tempo fomos descobrindo afinidades e passamos a trocar alegrias e tristezas. Somente no final do milênio é que nossa amizade começou a deixar de ser apenas um arbusto e tomar a forma de uma árvore. Hoje em dia ela já está frondosa e faz muitas sombras.
Ele não tem um gênio muito fácil, mas eu também não. Nós adoramos cinema e sonhamos em trabalhar na área algum dia. Assistimos muitos filmes. Ele me empresta muitos DVDs e eu empresto muitas revistas pra ele. Em 98 eu ganhei um CD do filme Godzila por causa de um concurso e como eu não tinha aparelho de som na época (e ainda não tenho...rzz) emprestei pra ele sem nem ao menos ouvir. Depois ele me emprestou o jogo de xadrez dele que ele nunca havia jogado. Até hoje nenhum dos 2 devolveu o empréstimo, mesmo que ele não ouve mais o CD e eu não jogo mais xadrez, mas sem problemas. Adoramos esse empréstimo consignado. Até 2005 não tinhamos outros amigos em comum (até tentávamos ter, mas as crituras que o Beto tinha amizade na época eram constrangedoras...rzz) e a partir desse ano resolvemos mudar a situação. A árvore começou a dar frutos. Nos matriculamos em um cursinho pré-vestibular e lá conseguimos conquistar diversas amizades. Algumas não foram muito longe, mas outras continuam até hoje.
Nossa maior alegria foi poder dizer: "Temos uma turma!" Aí foi só farra, festa e bagunça. O Beto adora uma festa. Ele é uma FESTA. E festa pra ele basta ter umas 3 pessoas, cerveja e um som que já tá valendo. Mas o que ele curte mesmo é ser promoter dessas festas, organizar, preparar e convidar os amigos. E cozinhar! Adora fazer de um tudo na cozinha, mesmo estando num eterno regime para perder peso. Sua especialidade é o Caldo de Feijão, mas rola muita pizza, torta, empada e muitas outras coisas que ele vai aprendendo a fazer. E é sempre muito bom. E é a salvação dos finais de semana sem grana, quando todos tão sem grana pra sair a gente junta os tostão que tem e compramos ingredientes pra ele fazer alguma coisa e compartilhar na casa de alguém.
E quando estamos todos reunidos é uma felicidade sem fim. Piadas, teatro, música, dança, bagunça, jogos de tabuleiro e no final tem sempre aquele momento de zapear a TV em conjunto atrás das bizarrices da madrugada.
Falando em bizarrices, nós já passamos por tantas, mas tantas, que fica difícil escolher uma. Mas uma é inesquecível, teve uma época em que trabalhávamos juntos em uma empresa e pra não ficarmos conversando o tempo todo e o chefe dar bronca, a gente ficava falando pelo ICQ. Detalhe: nossos computadores ficavam um do lado do outro. Pelo ICQ a gente destilava tanto veneno comentando dos micos dos nossos chefes e das pessoas que frequentavam a agência, que não sei se iremos mais para o céu. Tinha um cara que trabalhava com a gente e tudo o que você falava para ele, ele concordava. Era um saco. Um dia, pelo ICQ, eu e o Beto colocamos em prática um plano maldoso. Aproveitamos que esse rapaz estava perto de nós e começamos a falar de diversos assuntos, só que se eu dissesse que gostava de um filme o Beto dizia que não gostava, enquanto a gente perguntava para o pobre rapaz o que ele achava. Foi mais ou menos assim:
ICQ Rubens: beto, diz pro fulano q vc gosta do senhor dos anéis
Beto: sabe fulano eu adoro o senhor dos aneis, e vc?
Fulano: aahh eu adoro também, filme muito bom, muito bom
ICQ Beto: rubens, agora diz pra ele que você não gosta
Rubens: fulano, eu não gosto do senhor dos aneis, você não acha muito fantasioso
Fulano: eh verdade, ele não é muito bom, tem isso mesmo
Beto: mas ele é a melhor adaptação da literatura, vc não acha q isso faz dele um bom filme?
Fulano: é verdade, é verdade, ele é mesmo um bom filme
Rubens: mas ele força muito nas cenas, vc não acha?
Fulano: é verdade, ele força, não é mto bom
ICQ Rubens: rzz... a gente não presta!!!!hauahuha
ICQ Beto: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
E fomos longe nessa brincadeira, o coitado do rapaz quase fundiu a cuca. Mas não foi maldade nossa, é um porre a pessoa não ter opinião própria, nosso objetivo era ver se o cara se tocava. Mas não conseguimos...rzz
Enfim, minha amizade com o Beto eu tenho certeza que será eterna. Mesmo quando a gente brigou (e foram poucas vezes) rapidamente voltamos a nos falar pq um depende do outro pra compartilhar nossas loucuras.
Falando em loucura, sempre que saímos para algum lugar sempre aparece um louco ou bêbado pra falar com a gente. É incrível isso! E nós sempre damos corda...rzz Acho que existe uma identificação entre os loucos e a gente.
Marcelo Garcia
A minha amizade com o Garcia começou naquele cursinho que falei acima. Foi um dos primeiros da nossa turma. Ele entrou para o cursinho no meio do ano, lembro até hoje do seu primeiro dia. Ele chegou de cabeça baixa e sentou no fundo da sala. Eu e o Beto ficamos com pena da pequena criatura e procuramos uma aproximação que foi bem sucedida. Adoramos o Garcia logo de cara. Ele é muito engraçado e muito brincalhão. Mas também muito preguiçoso e leeeeeentoooooo... É um amigo que topa qualquer parada. Não é bom em dar conselhos mas se vc precisar de alguém pra fazer qualquer maluquice ele topa na hora. Adora dar tchau para pessoas estranhas quando está dentro do carro (e manda recados também, deixando as pessoas com cara de "será que é comigo?), quando bebe baixa um santo nele que ninguém segura, é capaz de correr gritando numa rua deserta de madrugada e adora cantar músicas dos power rangers e da Xuxa em locais públicos. É preciso ver esse pequeno pônei pra tentar entendê-lo. Se vc estiver deprimido chame-o para sair com você, vc ficará com dor na barriga de tanto que vai rir.
Ah, ele também adora quedas. Principalmente se for dos outros. E as pessoas sempre caem perto dele. Mas é incapaz de socorrer o indivíduo porque ele inicia uma crise de risos infinita. Mas ele é uma boa pessoa, no dia-a-dia é bem calmo, sossegado, como dizem. Mas sossegado até demais. Pra marcar um compromisso com ele vc precisa mandar ele vir umas 2 horas adiantado, sem ele saber. Pq ele atrasa demais. Nem mulher demora mais do que ele para se arrumar. É uma hora só de banho. Adora banho mas odeia chuva. Se vc pretende sair com ele e começar a chover, esquece. Ele não vai nem amarrado. Nessas horas ele é igual ao Cascão (e mesmo na aparência física ele lembra o Cascão...rzz). Mas também adora limpeza, é difícil convidar ele pra fazer qualquer coisa aos sábados ou feriados à tarde. Ele sempre está limpando a casa. E sempre está arrumando o guarda-roupa. Sempre! E leva horas nessas atividades. Também não conte com ele no horário da fórmula 1. É incapaz de perder uma corrida e sabe tudo sobre a temporada e sobre Fórmula 1.
Uma loucura que a gente fez? Tem essa gravada em celular de pobre:
Você no Foco - Entrevista Marcelo Garcia Detalhe: a apresentadora é o Beto...rzz
Falando em loucura, sempre que saímos para algum lugar sempre aparece um louco ou bêbado pra falar com a gente. É incrível isso! E nós sempre damos corda...rzz Acho que existe uma identificação entre os loucos e a gente.
Sílvia Lopes
Eu conheço essa moça de escorpião a mais tempo que conheço o Beto, porque a gente também fez o pré-primário juntos. Mas passamos muuuuitos anos apenas como bons colegas. Nunca na época da escola nós compartilhamos uma amizade de verdade. Fora do colégio fizemos curso de informática na mesma escola e aprendemos a usar CorelDraw e PageMaker juntos. Aí começamos a ficar mais amigos, mas ainda assim sem muita dedicação.
Eu lembro que a gente fazia algumas idiotices, tipo perder uma sexta feira inteira escaneando uma revista com um scanner de mão pra só depois de muita insistência assumir que aquilo tava virando uma bosta. Isso aconteceu entre 1996 e 1997. Nos achávamos demais por ter acesso livre à internet no curso as sextas feiras. Mas a nossa amizade só veio brotar de verdade uns 6 anos depois, quando a gente já havia terminado o ensino médio.
Eu estava desempregado, tinha acabado de desistir da faculdade de história por não ter dinheiro e desanimado. Aí encontrei com ela por acaso na rua (lembro até do local). Ela estava fazendo serviço social e trabalhando numa empresa de marketing. Falei que estava procurando emprego e que me tinham informado que havia um lugar que contratava pessoas para fazer pesquisa. Era o mesmo lugar onde ela trabalhava! Ela então me indicou ao dono e logo comecei a trabalhar de pesquisador. Era temporário, apenas em fins de semana, mas ajudou bastante naquela época. A Sílvia então começou a me indicar ao patrão dela, elogiou meu trabalho e tentava convencer ele de que estava atolada de trabalho e precisava de ajuda. Tanto insistiu que conseguiu. Ele me contratou e, eu e a Sílvia, comungamos finalmente nossa amizade (esse é o mesmo emprego que trabalhei com o Beto e que citei acima, o Beto entrou no lugar da Silvia quando ela processou o patrão...e ele ficou até processar o patrão tbém... só eu não processei esse patrão... ainda...rzz). Eu fiquei muito feliz porque seria a primeira vez que trabalharia com algo que eu gostava e sentia prazer, que era o trabalho de designer gráfico e webdesign. Aprendi muito nessa época e a Sílvia sempre esteve do meu lado me ajudando. Divertíamos o dia inteiro juntos e compartilhávamos nossas alegrias e dores (principalmente a dor da falta de pagamento, pq nosso chefe querido só nos pagava atrasado, muito atrasado... enfim, nada é perfeito...).
Nasceu uma confiança muito grande entre a gente, ela dividia tudo comigo, me pedia conselhos, chorava no meu ombro, ríamos juntos... era uma festa. Se não fosse nossa amizade e com o estresse em que era o ambiente de trabalho, nós não teríamos continuado por ali. Mas um passou a modificar o outro. Eu comecei a mudar e ela também. Foi mágico acompanhar todas as mudanças da vida dela. Resumindo como foi: quando iniciamos nossa amizade ela namorava um rapaz havia anos, em um ano ela largou dele, descobrindo o quanto ele era canalha, curtiu a vida de solteira, achou o amor da vida dela, namorou, engravidou e caso, tudo isso sempre sob minha orientação tarológica...rzz
A gravidez dela não foi minha culpa, tá certo que só aconteceu depois que eu li pra ela que isso PODERIA acontecer, através do tarô. Se ela levou ao pé da letra foi decisão dela e só...hauahuha. Enfim, tudo isso foi um grande presente p/ ela, a filha dela é linda e tá enorme. Ela já é uma assistente social, trabalha na área, tem um lar maravilhoso e continua estudando e com muitos sonhos. Infelizmente, não estamos tão próximos como antes, mas sempre que dá vou na casa dela. Aí ficamos horas nos divertindo com nossas histórias.
Relembrando tipo a vez em que ela enfezou que os nossos computadores estavam muito sujos de poeira e resolveu limpá-los. Sabe como ela limpou o teclado? Enfiou ele num tanque de roupa e esfregou com escova de lavar roupa e sabão em pó, depois pôs no sol pra secar. E não é que o danado ficou limpo e voltou a funcionar?...rzz Ou tipo a vez em que planejamos o assalto a um forno e roubamos pedaços de um delicioso bolo de chocolate que uma bruxa malvada escondia da gente...hauahuha... Ou a festa do chefe que nós fomos e no final ela me pediu pra pegar uma bandeija de salgados e levar embora, bem na frente dos convidados. E eu levei...hauahuha... Enfim, muitas loucuras vivemos juntos.
Falando em loucura, sempre que saímos para algum lugar sempre aparece um louco ou bêbado pra falar com a gente. É incrível isso! E nós sempre damos corda...rzz Acho que existe uma identificação entre os loucos e a gente.
Isso é só uma pequena amostra dessas pessoas especiais que convivem comigo. E ainda tem muito mais gente, pretendo falar deles futuramente.
Não sei porque eles gostam de mim. Mas eu sei muito bem porque eu gosto deles.
Totalmente diferentes de mim mas ao mesmo tempo somos iguais!
São únicos!
Fiz um teste super legal, ele procura identificar que livro nacional você é.
Veja: http://www.viscerasliterarias.com/2009/04/que-livro-e-voce.html e faça você também!
Eu adorei meu resultado! Amo a Clarice e o Drummond e o que o teste revela sobre mim é super verdadeiro. Pelo menos é assim que eu penso.
Veja o meu resultado. Agora se alguém quiser me conhecer vou mandar ler esses dois livros primeiro
"A paixão segundo GH", de Clarice Lispector
Você é daqueles sujeitos profundos. Não que se acham profundos – profundos mesmo. Devido às maquinações constantes da sua cabecinha, ao longo do tempo você acumulou milhões de questionamentos. Hoje, em segundos, você é capaz de reconsiderar toda a sua existência. A visão de um objeto ou uma fala inocente de alguém às vezes desencadeiam viagens dilacerantes aos cantos mais obscuros de sua alma. Em geral, essa tendência introspectiva não faz de você uma pessoa fácil de se conviver. Aliás, você desperta até medo em algumas pessoas. Outras simplesmente não o conseguem entender.
Assim é também "A paixão segundo GH", obra-prima de Clarice Lispector amada-idolatrada por leitores intelectuais e existencialistas, mas, sejamos sinceros, que assusta a maioria. Essa possível repulsa, porém, nunca anulará um milésimo de sua força literária. O mesmo vale para você: agrada a poucos, mas tem uma força única.
"Antologia poética", de Carlos Drummond de Andrade
"O primeiro amor passou / O segundo amor passou / O terceiro amor passou / Mas o coração continua". Estes versos tocam você, pois você também observa a vida poeticamente. E não são só os sentimentos que te inspiram. Pequenas experiências do cotidiano – aquela moça que passa correndo com o buquê de flores, o vizinho que cantarola ao buscar o jornal na porta – emocionam você. Seu olhar é doce, mas também perspicaz.
"Antologia poética" (1962), de Drummond, um dos nossos grandes poetas, também reúne essas qualidades. Seus poemas são singelos e sagazes ao mesmo tempo, provando que não é preciso ser duro para entender as sutilezas do cotidiano.
Trechos:
A paixão segundo G.H.
Fiquei imóvel, calculando desordenadamente. Estava atenta, eu estava toda atenta. Em mim um sentimento de grande espera havia crescido, e uma resignação surpreendida: é que nesta espera atenta eu reconhecia todas as minhas esperas anteriores, eu reconhecia a atenção de que também antes vivera, a atenção que nunca me abandona e que em última análise talvez seja a coisa mais colada à minha vida - quem sabe aquela atenção era a minha própria vida. Também a barata: qual é o único sentimento de uma barata? a atenção de viver, inextricável de seu corpo. Em mim, tudo o que eu superpusera ao inextricável de mim, provavelmente jamais chegara a abafar a atenção que, mais que atenção à vida, era o próprio processo de vida em mim.
[...]
A esperança de quê? Pela primeira vez eu me espantava de sentir que havia fundado toda uma esperança em vir a ser aquilo que eu não era. A esperança - que outro nome dar? - que pela primeira vez eu agora iria abandonar, por coragem e por curiosidade mortal. A esperança, na minha vida anterior, teria se fundado numa verdade? Com espanto infantil, eu agora duvidava.
[...]
Sim, a barata era um bicho sem beleza para as outras espécies. A boca: se ela tivesse dentes, seriam dentes grandes, quadrados e amarelos. Como odeio a luz do sol que revela tudo, revela até o possível. Com a ponta do robe enxuguei a testa, sem desfitar os olhos da barata, e meus próprios olhos também tinham as mesmas pestanas. Mas os teus ninguém toca, imunda. Só outra barata quereria esta barata.
E a mim - quem me quereria hoje? quem já ficara tão mudo quanto eu? quem, como eu, estava chamando o medo de amor? e querer, de amor? e precisar, de amor? Quem, como eu, sabia que nunca havia mudado de forma desde o tempo em que me haviam desenhado na pedra de uma caverna? e ao lado de um homem e de um cachorro.
Antologia Poética
Consolo na praia
Vamos, não chores
A infância está perdida
Mas a vida não se perdeu
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras
Em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas e o humour?
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
Murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
Tudo somado, devias
Precipitar-te de vez_ nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.
Sentimento do Mundo
Tenho apenas duas mãos
E o sentimento do mundo,
Mas estou cheio de escravos,
Minhas lembranças escorrem
E o corpo transige
Na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
Estará morto e saqueado,
Eu mesmo estarei morto,
Morto meu desejo, morto
O pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
Anterior a fronteiras,
Humildemente vos peço
Que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
Eu ficarei sozinho
Desfiando a recordação
Do sineiro, da viúva e do microscopista
Que habitavam a barraca
E não foram encontrados
Ao amanhecer
Esse amanhecer
Mais noite que noite.
Menina Cecília e a Virgem Maria
O sol nascia no horizonte quando Cecília passou correndo pela estrada de terra que a levaria até a escola. Cecília era uma meninota de sete anos que cursava o primário, morava com os pais em um casebre localizado em um pedaço de terra no sul de Minas Gerais e não possuía irmão algum. Seus pais trabalhavam de qualquer coisa e viviam com quase nada. O maior sonho deles é que a filha tomasse gosto pelos estudos e no futuro pudesse tirá-los da vida pobre e miserável em que viviam.
A escola ficava umas duas horas de caminhada da casa de Cecília e, como sempre, a menina estava atrasada, por isso corria feito uma pantera pela estrada, deixando para trás uma cortina de poeira. Seu pensamento estava no pão amanhecido que comeria quando chegasse na escola. Ela trajava seu uniforme azul marinho e uma blusa de tricô branca velha e furada. Seus pés calçavam uma sapatilha que ganhou no natal passado de sua quase sempre ausente madrinha e na cabeça usava um gorro lilás que encontrara a algum tempo atrás em uma lixeira da cidade. O caminho que percorria era o mesmo todos os dias. Sua vidinha era uma monotonia gostosa: de segunda a sexta acordar cedo, ir à escola, voltar, almoçar seu feijão com farofa e mistura e passar a tarde brincando com Serafina, sua boneca de pano e borracha, feita por ela mesma com restos de lixo dos outros. No sábado ela dormia até mais tarde e quando acordava brincava de princesa com as galinhas e domingo ia com os pais na missa matinal na capela da cidade. Eles eram católicos fervorosos e a menina era muito devota de Nossa Senhora. Ela já sabia até rezar o terço sozinha, sendo o orgulho dos pais, que a exibiam como um exemplo de fé e devoção.
Cecília estava quase chegando quando um fato inusitado aconteceu: alguém a chamou. A menina se assustou tanto com esse chamado que até caiu. Ela olhou para o lado e viu uma fumaça branca entre várias árvores e, firmando um pouco mais a vista, percebeu um vulto humano. Ela não sabia se corria ou ia de encontro ao vulto. Altanando-se gritou:
- Quem... quem é que tá aí?
- Venha até mim, candura de menina!
Cecília lembrou-se dos conselhos maternos de nunca falar com estranhos, porém a curiosidade era mais forte e a fumaça havia de certo modo hipnotizado-a. Ela foi se aproximando vagarosamente e aos poucos a fumaça dissipava e o vulto foi humanizando-se. A primeira coisa que a garota identificou na pessoa foi que ela era uma mulher de vestido branco comprido e usava um pano azul que a cobria. Foi então que Cecília levou o maior susto de sua vida, pois reconheceu no rosto da mulher a face de Nossa Senhora. Ela então, de joelhos, começou a rezar uma Salve Rainha.
- Meu amor, sou Maria, Nossa Senhora, vim por amor para te ver!
- Meu Jesus, é milagre minha mãe? – ela começou a chorar – Eu não mereço!
- Não chores, minha flor ! Vim para trazer a paz!
- Mãezinha! Oh! Eu...eu...
- Eu te escolhi para dar testemunho de minhas palavras. Infelizmente tenho que ir mas, amanhã, quando você passar por aqui, retornarei a te ver. Mas atenção, venhas só. Não deixes que ninguém te acompanhe. Agora vás e não olhes para trás.
- Tá, sim, eu, eu prometo que sim. Bença mãe, bença! Inté aminhã.
Cecília continuou o seu caminho. Quando chegou na escola, estava em êxtase.
- Qué qui foi minina? Por modo de que qui ocê tá assim cu essa cara de bestaiada? – perguntou a faxineira da escola.
- Hann?
- Indoidó as idéia di veiz?
- Num foi nada dona Edersonia, eu tô bem. Só tô um pouco cansada da camiada.
- Intoncê entra logo pra crasse qui ocê tá atrasada, fia da peste.
Durante toda a aula Cecília permaneceu aérea, olhando para o nada e tentando entender os acontecidos. Mais tarde, quando chegou em casa, quase esqueceu de comer o angu com feijão que a mãe deixara de almoço para ela. Sua mãe trabalhava juntamente com o pai em uma fazenda e só voltava a noite. Cecília fremia de medo, nem quis brincar, correu para seu quarto e agasalhou-se na cama. Dormiu e sonhou com anjos que tocavam arpas e recitavam os salmos.
- Acorda minina, uai, qui foi? Tá passando mal? – perguntou a mãe quando chegou a noite.
- Não, mãe, tô não!
- Já te falei pra mi chamá di mamãe, minina, falá só mãe é farta de respeito. Mas mi fala, ocê num é di ficá dormindo. Cê tá passando mar, num tá? Num qué mi falá? Oia, si ocê num falá que tá sentindo eu mando seu pai senta o máio nocê, e oia qui ele tá cansado e vai ficá muito brabo. Uai, febre cê num tem prumode quê cê num tá quente. Intncê vai falá ou num vai?
- Dodói eu num tô mais ...
- Mais o quê minina?
- Mais nada mamãe, tô cansada de tanto brincá.
- Intoncê vai tomá banho qui ocê tá incardida.
No outro dia a virgem apareceu novamente para Cecília no mesmo lugar e na mesma hora. Cecília não contou nada para os pais e continuava maravilhada com o milagre.
- Que bom você ter me obedecido. Você foi escolhida para anunciar a boa nova a todo mundo
- Oh minha mãezinha! Ave Maria cheia de graça...
- Ouça o que vou lhe dizer: irei aparecer para você apenas mais uma vez amanhã e, quando isso acontecer, irei dar-lhe uma grande revelação para que você transmita a todo o mundo. Você foi escolhida para ser a anunciadora desta grande notícia, mas atenção, você deverá estar sozinha novamente para que, somente você, receba a boa-nova. Depois desses acontecimentos você deverá espalhar para todos que conhecer e deverá recomendar visitas a este lugar, que tornará sagrado a partir de amanhã. Você entendeu, meu amor?
Cecília fez que sim com a cabeça.
- Ótimo, agora vás e não olhes para trás!
A menina foi embora, porém um pouco cismada. A santa havia lhe dito que ela deveria continuar indo sozinha, mas Cecília queria tanto compartilhar com a mãe esse momento tão especial. Depois do retorno da escola, a garota passou a tarde inteira matutando no que deveria fazer. Acabou cochilando no meio do galinheiro. Durante esse cochilo ela sonhou que estava em uma igreja muito bonita e repleta de flores. Ela pegou uma rosa e correu para colocá-la em uma imagem de Maria, que estava atrás do altar. Foi quando ela escutou um coral de anjos e percebeu que no fundo da nave havia uma mulher vestida de branco que lhe acenava. Cecília foi ao seu encontro e quando estava próxima da mulher, deu-lhe um abraço. E esta lhe falou com ternura em seu ouvido: "Sou Maria, mãe do salvador!"
Cecília espantou-se porque achava esta mulher muito diferente da mulher que via todos os dias de manhã, então indagou: "Mas a Senhora tá tão diferente!" A mulher apenas sorriu e disse: "Amanhã cedo leve sua mamãe com você para a escola, e mostre a ela a mulher que tens visto. Seja uma boa filha e conte tudo o que sabe à sua mamãe!"
Neste momento Cecília acordou sob pontapés do pai.
- Acorda priguiçosa, isso num é lugá de gente durmí. Vá cassá afazê na cozinha!
Naquele dia, antes de dormir, Cecília contou toda a sua história à mãe, que achou que a filha estivesse mentindo. Depois de muita insistência, Cecília convenceu a mãe para levá-la à escola no outro dia e assim mostrar que estava sendo sincera.
- Óia aqui minina, se ôce tivé mangando dieu podi tê certeza qui vai levá um côro brabo aminha!
- Mais mamãe, é verdade verdadeira! Eu vi a virge perto da fazenda do Sô Marco. Ela era linda, sortava uma fumaça branquinha, fumaça de cér, e tinha um cheirinho tão bão de rosa. E ela é linda, mamãe, a senhora vai ver!
- Arre, garota, tá bem. Mais ó, num vô contá nada pru seu pai, tá certo, nem ocê vai incomodá o véio com esse seu destempero, tá certo, minina sem-vergonha?
- Tá bão mamãe, eu prometo!
A mãe não acreditou nem um pouco na história da filha, só aceitou acompanhá-la no outro dia porque precisava conversar com sua professora, pois faltara na última reunião de pais. Quanto ao desatino da garota, já estava arquitetando uma boa surra com vara de bambu.
No outro dia acordaram cedo e seguiram estrada afora. Quando aproximaram do local da aparição, indicado por Cecília, a mãe levou um enorme susto a perceber a fumaça branca.
Mais num é possiver que ocê tá certa. Meu Jisuis, num pode sê!
- Mais é mamãe, é! Agora a senhora fica aqui quietinha inquanto eu vou na frente prepará o caminho, adispois a sinhora vai e pedi uma bença, tá!
Cecília correu até a santa e esta, sem perceber a presença da mãe, começou a conversar com a menina.
- Cecília, hoje é um dia muito especial para a humanidade! Hoje você...
Neste momento a mãe da garota apareceu, correndo e chorando muito.
- Ai minha mãe, Nossa Senhora di Aparicida, óh mãe querida, me dá uma bença, um conforto! Meu Jisuis gardeço di coração esse momento tão feliz! Milagre, meu Deus, milagre! Minha me abençoa, pru favô, cura as varize de minha perna que eu tô sofrendo muito minha mãe. Cura também meu marido, qui tá cum muita dor nos quarto e tá sofrendo dos nervro, num tem médico que cura ele, mãe, só a sinhora tem poder. Pruveita também e tira as lumbriga da minha minina, sarva a dona Umbelinalda da morte, e...
A mãe agarrou a santa pelos braços e caiu de joelhos beijando seus pés. Mas quem levou o maior susto foi Cecília, pois quando a mãe olhou a santa de perto, olho no olho, as duas começaram a gritar feito mulheres insanas.
- Qui qui foi, mãe, qui quê a sinhora tá gritano?
A mãe, em um acesso de fúria, arrancou a túnica da santa, que por baixo vestia uma blusa cavada e mini-saia. Cecília não estava entendendo nada, e continuava a indagar a mãe sobre o que estava acontecendo.
- Essa muié num é santa nem aqui nem lá na China, minina!
- Como não, mãe? Ela num é a Virge?
- Virge? Virge essa aqui dexô de sê fais muito tempo. É uma cachorra, isso sim!
A moça ficou muda e não sabia o que dizer.
- Mais quem é ela intão mãe?
- É a Luiza, filha do excumunguento prefeito da cidade. Qui que ocê quiria cu a minha fia, cadela sem vergonha? Quiria robâ? Seis num tão robando muito na prefeitura e agora tem que robá dus inuncente da rua?
- Calma dona, se liga, tá? Foi tudo idéia do meu pai. Se quiser, vai dá um lero com o veio lá na prefeitura, tá ligado? Eu tô fora disso, não sei de nada!
- Cecília, arruma as traia, hoje cê vai fartá da aula pra mode di í cumigo na cidade passá essa história a limpo. E ocê, bruaca fia duma égua, fica quetinha si num quisé levá uns cascudo na oreia!
Meia hora depois estavam na prefeitura, a mãe colérica gritava procurando o prefeito. Quando o segurança ia prendê-la para libertar a filha do prefeito, o excelentíssimo apareceu e, suando frio, imaginando o que teria acontecido, mandou que entrassem no seu gabinete. Quando a mãe entrou na sala, jogou a moça no chão e deu-lhe um chute nas nádegas.
- Óia aqui sô disgraçado vagabundo, eu quero que mi ixprique o quê qui foi qui aconticeu, tim-tim por tim-tim! E ocê num se faça de desintidido pru modi di que eu sei qui ocê sabe du que eu tô falando!
- Calma, minha senhora, é claro que eu posso explicar, mas não precisa ficar tão nervosa. Sente-se um pouco. A senhora aceita um cafezinho?
- Vá pro inferno cu teu cafezinho! E tá muito bão aqui donde eu tô, dá pra ti encará de perto, dá preu vê tua cara de mintiroso, cachorro, sem-vergonha, salafrário, ladrão, fio duma...
- Calma, minha senhora, calma!
- Vai pedi carma pra égua da tua mãe! Eu quero sabê o qui é que ocês queria aprontá cá minha fia! Seis ia robá ela, num ia? Fique sabendo que eu vou botá ocês no pau! Vô hoje memo procurá a justiça!
- Ooolha... – engasgou-se o prefeito, que já estava vermelho – bem, não mentirei para a senhora! Acontece que a nossa cidade está com uma dívida enorme e nós não estamos tendo mais recursos para supri-la, eu até corro o risco de ser preso. Nós resolvemos que o turismo seria um ótimo recurso financeiro para os cofres públicos.
- Quê? Ocês quiria fazê esse tal de turismo ca minha fia?
- Não, minha senhora, o nosso plano era fazer com que acontecesse uma aparição mariana a uma criança, desse modo nós poderíamos divulgar a todos os cantos que aqui aconteceu um milagre e assim apareceriam inúmeros romeiros e curiosos, aumentando nossa renda. Então eu disfarcei minha filha e, por sorte, sua filha foi a escolhida.
Ao ouvir isso, a mãe ficou tão nervosa que começou a bater no prefeito e só parou quando foi imobilizada pelo segurança.
- Cachorro carnicento, tá pensando que a minha fia é o quê, paiaça? Ocêis queria fazê a gente de boba? Ainda pru cima ia menti pro coitado do povo, que já sofre feito condenado do inferno. Isso lá na minha casa chama rôbo, rô – bo!
- Tudo bem, eu pago quanto a senhora quiser para continuar o nosso plano. Posso deixá-la rica!
- Mais será o Benedito? Qué qui eu vire ladrona também! Vô é chamá os meganha pro cê, bicho disgramento!
- Nem pense em fazer isso, a senhora por acaso não sabe que eu posso acabar com a raça da senhora e da sua sua família?
- Não, mamãe, não! Num dexa ele matá nois não! Eu num quero morré! – chorou Cecília, que até então estava escondida atrás de uma prateleira.
- Pode dexá, minha fia, antes dele tentá nos matá eu mato ele premeiro!
- Então, minha senhora, eu só tenho mais uma proposta a lhe oferecer. Eu pagarei para a senhora uma fortuna, desde que me dê seu voto de silencio e depois junte suas coisas e mude-se daqui para bem longe.
A mãe refletiu um pouco e viu que não era uma má idéia.
- Tão tá, eu calo a boca e me mudo. Para mim vai cê um alívio fugi dessa imundice de cidade cheia de porcos. Vô podê realizá o sonho do meu marido, que é morá perto das parentada dele, lá no Paraná. Só num intendi uma coisa, se a prefeitura tá sem dinheiro cumé que ocê vai me pagá?
- Robando, num é mamãe? – disse Cecília.
- Ora, isso eu resolvo – falou o prefeito pegando seu talão de cheques.
Depois disso a mãe e a menina retornaram para casa e a tarde contaram ao pai o acontecido. No dia seguinte pediram as contas em seus serviços, venderam as terras e foram até a escola, para pedir a transferência da filha. O pai avisou os parentes pelo telefone e arrumou em uma carroça todos os seus pertences. Antes de partirem, Cecília pediu que rezassem um terço em agradecimento a Nossa Senhora, por ela tê-los ajudado. Depois da oração, seguiram viagem sem olharem para trás.
O prefeito não desistiu do seu plano. Chamou sua filha para combinarem o próximo passo.
- O nosso erro foi ter escolhido uma menina para o serviço. A danadinha fofocou tudo para a mãe!
- Qualé, cara, tá ligado? O você quer? Devo pegar outra menina?
- Não, desta vez vamos fazer direito. Em vez de uma menina pequena você vai escolher uma mais grandinha, mais obediente. Você vai ver, dessa vez não tem erro!
Três dias depois lá estava a falsa santa esperando sua nova vítima. Agora era uma moça, filha de um roceiro, tinha cara de bobinha e deveria ter uns treze anos. A filha do prefeito já esta pronta para o bote.
- Olá, minha filha, meu amor! Venho para lhe trazer a paz!
- Mais quem é a senhora?
- Eu sou a Virgem!
- Jura? Mas com essa idade? Parabéns! Eu perdi a minha mês passado no dia da quermesse, atrás da igreja.
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